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Depressão Pós-Parto: o que é, impactos para o bebê e como prevenir

Atualizado: 30 de ago. de 2022


imagem extraída de canva.com

Por Mariana Deodonno Miguel

Psicóloga da Maternidade

CRP 06\83327

@psicologiadopuerperio



Ao longo deste intenso processo que é a maternidade, ocorrem momentos de felicidade, prazer e satisfação associados ao surgimento de um novo membro na família. No entanto, em alguns casos, poderão iniciar-se perturbações emocionais graves, como a depressão, ansiedade e stress.

Ao contrário do esperado, a literatura e a prática com gestantes e puérperas nos mostram que a maioria das mulheres, sobretudo as de classe média e baixa, encontra na vivência da maternidade algum nível de sofrimento psíquico, físico e social no período pré e pós-parto. Normalmente, nessas fases, observa-se nas mães uma vivência relativamente contínua de tristeza ou de diminuição da capacidade de sentir prazer (Santos, 2001), a qual poderá ser transitória ou irá se tornar crônica caso não sejam assistidas adequadamente. Esse conhecimento segue no sentido contrário ao de uma crença popular amplamente difundida de que a gravidez é um período de alegria para todas as mulheres (Zinga e col., 2005; Maushart, 2006; Arrais e Azevedo, 2006; Tostes, 2012).

Os achados da revisão feita por estes autores sugerem que “a prevalência de sintomas depressivos no pós-parto no Brasil encontra-se acima da média mundial, e próxima àquela encontrada em países similares do ponto de vista socioeconômico” (Lobato e col., 2011, p. 377). A manifestação clínica da DPP é igual à das depressões em geral (Baptista e col., 2004): A pessoa sente uma tristeza muito grande de caráter prolongado, com perda de autoestima, perda de motivação para a vida, é incapacitante, requerendo na maioria das vezes o uso de antidepressivos (Rosenberg, 2007). É sabido que a DPP acontece com mulheres de todas as idades, classes sociais e de todos os níveis escolares. Ela pode ocorrer com mulheres que desejam muito ter um filho, bem como com aquelas que não aceitam o fato de ter engravidado (Arrais, 2005). Pode ocasionar-se no nascimento do primeiro filho, do segundo, do terceiro, ou de outros. Os autores que estudam essa temática têm posições diversas sobre o aparecimento da DPP, e a literatura não é concorde quanto a sua etiologia (Santos, 2001; Botega e Dias, 2002; Rosenberg, 2007; Zinga e col., 2005.


Os fatores de risco da DPP são eventos ou situações já estabelecidas que propiciam o surgimento de problemas emocionais após o parto (Golse, 2002). De modo geral, Schmidt e colaboradores (2005) agrupam os riscos para a DPP em três categorias: a primeira relaciona-se à qualidade dos relacionamentos interpessoais da mãe, particularmente com seu parceiro; a segunda refere-se à gravidez e ao parto e à ocorrência de eventos de vida estressantes; e a terceira relaciona-se às adversidades socioeconômicas. Portanto, podem ser incluídos como fatores de risco ou fatores predisponentes para DPP: ser primípara (Rosenberg, 2007; Zinga e col., 2005); ser mãe solteira (Harvey, 2002); conflitos e falta de apoio conjugal (Baptista e col., 2004; Arrais, 2005; Cruz e col., 2005; Moraes e col., 2006; Rosenberg, 2007), evento de vida estressante, como perda de emprego ou morte de familiar (Zinga e col., 2005); falta de apoio familiar e social (Baptista e col., 2004; Arrais, 2005; Rosenberg, 2007; Konradt e col., 2011); histórico pessoal ou familiar de doença psiquiátrica, mas principalmente a existência de episódios depressivos anteriores e durante a gravidez (Golse, 2002; Harvey, 2002; Baptista e col., 2004; Arrais, 2005; Zinga e col., 2005; Rosenberg, 2007). Complicações obstétricas durante a gravidez ou imediatamente pós-parto; parto traumático; parto múltiplo e prematuro, abortos anteriores, partos de natimorto ou síndrome de morte súbita infantil (Harvey, 2002; Zinga e col., 2005). Arrais (2005) acrescenta ainda como fator que aumenta o risco de DPP a idealização da maternidade.


Assim, se a mãe apresentou alguma dessas histórias, ela requer mais atenção dos familiares e profissionais de saúde desde a gestação (Botega e Dias, 2002), o que raramente é feito pelos obstetras que as acompanham no pré-natal.

Para algumas mulheres, especialmente mães “de primeira viagem”, a transição para a maternidade pode ser difícil e combinada com baixa auto-estima, particularmente se a gravidez não tiver sido planejada. Mulheres socialmente isoladas da família, dos amigos ou de seus parceiros têm maior probabilidade de experimentar sintomas depressivos no período pós-parto. Isso pode ser especialmente verdadeiro para mulheres que imigraram recentemente e que vivenciam barreiras geográficas e lingüísticas. Outros eventos de vida negativos, tais como a perda de um emprego ou a morte de um familiar próximo também são preditores de depressão pós-parto (DPP). Têm sido encontradas associações entre a presença de complicações obstétricas, tais como hemorragia pré-parto ou cesariana de emergência; ou privação do sono ao final da gravidez, no parto e no período imediatamente após o parto e um risco maior de DPP. Fatores relacionados ao bebê, tais como o temperamento da criança, estresse pelos cuidados com ela ou complicações neonatais têm sido também associados ao início de sintomatologia depressiva pós-parto.

Nesse sentido, os fatores de proteção da DPP são medidas preventivas ou situações já estabelecidas que funcionam como proteção contra problemas emocionais no período da gravidez e do pós-parto (Golse, 2002), a saber: o apoio de outra mulher, detecção precoce da depressão (Ruschi e col., 2007), suporte social (Frizzo e Piccinini, 2005), intervenção multidisciplinar logo que os sintomas sejam detectados (Schwengber e Piccinini, 2003) e um trabalho de prevenção, como o Pré natal psicológico (Bortoletti, 2007; Cabral e col., 2012). Também são considerados como fatores de proteção o otimismo, elevada autoestima, suporte social adequado e preparação física e psicológica para as mudanças advindas com a maternidade. (Cantilino e col., 2010), boa relação conjugal e suporte emocional do companheiro (Frizzo e Piccinini, 2005; Arrais, 2005). O estudo de Cruz e colaboradores (2005) também observou que, quanto maior o suporte social do marido, menor a prevalência de DPP. Ou seja, a percepção da presença de suporte social, sobretudo do marido funciona como um protetor sobre a presença de DPP (Konradt e col., 2011).


A Depressão materna caracteriza-se, além de todos os sintomas somáticos, por um sentimento de incapacidade e de inadequação, relacionados com a melhor maneira de lidar com o bebê. São frequentes os sentimentos de culpa, por não amar ou não cuidar o suficiente do bebê; ansiedade, existindo uma preocupação excessiva com a alimentação e bem-estar do bebê, cuja intensidade pode variar de exagerada a francamente delirante e isolamento social.


Impactos para o feto

A crença de que as emoções da gestante possam afetar a saúde do bebê é muito antiga, mas somente nas últimas décadas despertou o interesse científico. Sabe-se que o ambiente nutricional, hormonal, metabólico, psicológico e social, vivenciado pela mãe durante a gestação, tem relação com a saúde do recém-nato. A mulher deprimida no período gestacional, em razão dos sintomas depressivos, apresenta menor preocupação com seu estado de saúde, ocasionando, muitas vezes, não-adesão ao pré-natal, além de maior consumo de álcool, tabaco e outras drogas, pessimismo, insônia, falta de apetite, acarretando diminuição da quantidade e qualidade da ingesta alimentar. Além disso, há também um mecanismo biológico, mediador da associação entre o estresse psicossocial materno e o baixo crescimento fetal, já que na mulher com depressão há aumento do cortisol, o que pode levar à prematuridade e ao baixo peso ao nascer.

O nascimento pré-termo e o baixo peso ao nascer são as principais causas de morbi mortalidade infantil nos países em desenvolvimento. Quadros depressivos não tratados durante a gravidez tendem a diminuir a freqüência nas consultas pré-natais, o que tem sido fortemente associado à mortalidade neonatal. Estudos realizados em países desenvolvidos fornecem, ainda, evidências de que a depressão materna esteja associada a problemas emocionais, cognitivos e comportamentais de longa duração em crianças.


O suporte social, dentre outros fatores, recebido antes e durante a gestação, principalmente o oferecido pelo cônjuge, parece ser determinante para o bem-estar mental da gestante, visto que sua ausência tem sido associada à manifestação de sintomas depressivos na gravidez. A percepção do suporte social recebido pelo marido está relacionada, inclusive, à prevalência de depressão após o parto. Além disso, problemas no relacionamento conjugal também parecem estar associados à prevalência da depressão durante a gestação. Mulheres solteiras ou divorciadas estão entre as que apresentam mais sintomas depressivos nesse período (Extraído de: “Prevalência da depressão gestacional e fatores associados”. Pereira PK, Lovisi GM / Rev Psiq Clín. 2008;35(4):144-53).

Outros autores, através dos seus estudos, asseveram que mulheres grávidas com sintomas depressivos estão, igualmente, em maior risco de parto prematuro, podem surgir efeitos adversos no crescimento fetal e estado de nutrição do bebê, podendo aumentar a probabilidade de complicações.


Os estados depressivos das mães influenciam negativamente o desenvolvimento físico, cognitivo e social dos recém-nascidos e aumentam o risco de morbidade psiquiátrica dos respetivos maridos. Alguns estudos efetuados sobre as consequências da Depressão puerperal para os bebês apontam que os recém-nascidos de mães deprimidas apresentam menor orientação e menor sensibilidade aos sinais maternos e as crianças mais velhas, poderão apresentar déficits de atenção e limitações no desenvolvimento cognitivo, além de se concentrarem menos nas atividades de brinquedo.

Em suma, pode concluir-se que o diagnóstico precoce é fundamental e, para isso, é necessário um acompanhamento em todo ciclo gravídico-puerperal, sendo esta a melhor forma de evitar, atenuar ou reduzir a duração desta perturbação (Extraído de: “Sintomas Psicopatológicos e Suporte Social na Gravidez e no Pós-Parto: Um olhar sobre a parentalidade”. Ana Carolina Delgado Ferreira. 2013)


Impactos para a relação mãe-bebê

A DPP tem sido vinculada a rupturas no funcionamento da díade mãe-bebê, tais como na atenção, na comunicação vocal e visual, menor freqüência de interações que envolvem tocar e sorrir, em comparação com díades que incluem mães não deprimidas. Mães deprimidas demonstraram também comportamentos mais invasivos e irritáveis em relação a seus bebês e responderam de forma menos sensível e contingente e mais negativa a seus bebês. Bebês e crianças até dois anos podem ser particularmente vulneráveis aos efeitos negativos de DPP. As pesquisas demonstraram que os filhos de mulheres com DPP mostram altos índices de insegurança vincular, alguns atrasos no desenvolvimento cognitivo e emocional e mais disforia.

A literatura revela que o início da depressão pode ocorrer não somente poucas semanas após o parto, mas até sete meses após este. Portanto, o monitoramento cuidadoso do humor no primeiro ano após o parto é crucial (Extraído de “Depressão Pós-Parto: sabemos os riscos, mas como preveni-la?”. Zinga, Phillips e Born. Rev Bras Psiquiatr. 2005;27(Supl II):S56-64).


As conseqüências da depressão parental podem se estender para além da própria infância, tendo-se em vista que as relações com os primeiros cuidadores servem como modelo para futuras relações (Bowlby, 1989).


Para Maldonado (2000), a severidade da depressão parece estar relacionada com uma grande frustração das expectativas relacionadas com a maternidade, com seu papel materno, com o bebê e com o tipo de vida que é estabelecido com a chegada da criança.

Quanto ao bebê, a literatura indica que a depressão materna pode afetá-lo de diferentes maneiras. Os bebês tendem a ser particularmente vulneráveis ao impacto da depressão materna, porque dependem muito da qualidade dos cuidados e da responsividade emocional da mãe (Campbell, Cohn & Meyers, 1992). Além disso, é no puerpério que se inicia mais concretamente o relacionamento mãe-bebê, e por isso esse período parece ter um significado psicológico fundamental para ambos (De Felice, 2000). De acordo com Cohn, Campbell, Mattias & Hopkins (1990), a falta de responsividade materna nos primeiros meses de vida parece provocar uma mudança desenvolvimental no bebê, pois tem sido empiricamente relacionada com um baixo envolvimento com pessoas e objetos ao final do primeiro ano de vida do bebê. Tal mudança pode ter implicações importantes para a criança, mesmo quando há remissão da patologia materna.


Estudos sobre o papel do pai no contexto da depressão materna sugerem que o pai pode exercer um papel protetor para o desenvolvimento infantil nestas situações (Hossain & cols., 1994; Hops & cols., 1987). Isso porque muitos autores referem que uma interação positiva pai-bebê pode compensar parcialmente uma interação mãe-bebê negativa ou insuficientemente boa (Belsky, Gilstrap & Rovine, 1984; Chabrol, Bron & Le Camus, 1996, Hops & cols., 1987; Parke, 1996). Além disso, o pai pode prover um modelo positivo, tanto aumentando os cuidados com seus filhos quanto apoiando a mãe deprimida, o que acaba contribuindo para uma melhor parentagem.


De qualquer modo é importante que essas famílias, cuja mãe apresente depressão, sejam acompanhadas através de atividades de prevenção e intervenção visando a promoção da saúde mental tanto das mães, como das crianças e das suas famílias (Extraído de “Depressão materna e interação”. Frizzo & Piccinini. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 1, p. 47-55, jan./abr. 2005).


Pré-natal psicológico como fator de proteção à DPP

As mulheres e a sociedade acreditam, ainda hoje, que a maternidade é instintiva, e isso implica um comportamento inerente, sabido e já conhecido de todas as mulheres, que não carece de preparação ou aprimoramento. Assim, a noção de instinto garante ao mesmo tempo o pressuposto de uma “natureza feminina” como “natureza materna” que seriam suficientes para dar conta de uma função social tão complexa como a maternidade. Para quê participar de um pré-natal psicológico, se quando o bebê nascer elas têm a “garantia” social e histórica de que elas estarão prontas e saberão o que fazer? Não é preciso se preocupar, nem se preparar, afinal, a maternidade estaria “dada/ pronta” e não seria construída, lapidada aos poucos, sobretudo na interação com o filho no dia a dia. Este é para nós um grande equívoco, disseminado social e historicamente, que leva muitas mulheres a se decepcionarem consigo mesmas como mães, com a maternidade. Como alerta Arrais (2005), “as várias mudanças impostas às mulheres após a maternidade têm na sua grande maioria um elemento surpresa de caráter negativo e decepcionante” (p. 120). No que diz respeito às exigências da maternidade, percebemos sentimentos de isolamento do convívio social (envolvendo lazer e trabalho) e dificuldades no autocuidado.

Portanto, em uma perspectiva naturalizada da maternidade (Arrais, 2005; Maushart, 2006), a mãe deprimida sente-se totalmente inadequada e responsável por seu aparente insucesso, pois ela deveria saber ser uma boa mãe, deveria saber parir, amamentar, dar colo, cuidar, afinal ela é uma mulher e as mulheres vêm “programadas” para isto. Como ela pode não estar sabendo cuidar de seu filho? Ou não estar vendo graça nenhuma na maternidade, ou o que é pior, não estar gostando e sentindo-se infeliz em ser mãe? Infelizmente, só no puerpério, já com o filho nos braços é que se darão conta de que não “nasceram” sabendo “tudo”, que a maternidade não é “dada” e nem “cor-de-rosa” e que teria sido importante se preparar, desmistificar a maternidade e pedir ajuda.


Portanto, realizar o pré-natal psicológico, complementar ao pré-natal tradicional, tem caráter psicoterapêutico e oferece apoio emocional, discute soluções para demandas que podem surgir no período gravídico-puerperal, como aquelas relacionadas aos mitos da maternidade, à sua idealização, à possibilidade da perda do feto ou bebê, à gestação de risco, à malformação fetal, ao medo do parto e da dor, aos transtornos psicossomáticos, aos transtornos depressivos e de ansiedade, às mudanças de papéis familiares e sociais, às alterações na libido, ao conflito conjugal, ao ciúme dos outros filhos, ao planejamento familiar, além de sensibilizar a gestante quanto à importância do plano de parto e do acompanhante durante o trabalho de parto e parto (Cabral e col., 2012). Essa intervenção, tem como principal objetivo oferecer uma escuta qualificada e diferenciada sobre o processo da gravidez, fornecendo assim um espaço em que a mãe possa expressar seus medos e suas ansiedades, além de favorecer a troca de experiências, descobertas e informações, com extensão à família, em especial ao cônjuge e às avós, visando à participação na gestação/puerpério e compartilhamento da parentalidade. Para participar do PNP, a gestante não precisa, necessariamente, estar atravessando dificuldades emocionais. Basta explicitar o interesse para construir o novo papel materno ou para aprimorar tal função de responsabilidade e complexidade, uma vez que a construção do vínculo mãe-bebê-pai demanda tempo e elaboração.




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