Mãe de Anjo: você sempre será mãe!
Atualizado: há 7 dias

Por Mariana Miguel
Psicóloga da maternidade
@psico.marimiguel
É estranho dizer isso, mas é uma dura verdade: em se falando de luto perinatal – que é quando ocorre aborto, morte do feto ainda na barriga ou do bebê recém-nascido - é uma perda NÃO reconhecida socialmente. O sofrimento é desqualificado. E não ter seu luto reconhecido e não poder vivenciá-lo, é uma das principais queixas daquelas que perderam seus filhos prematuramente. Por isso, o último domingo do mês de Maio foi escolhido para lembrarmos mais uma vez dessas mães, que carinhosamente foram apelidadas de “mães de anjo”.
A morte de um filho antes ou logo depois do nascimento rompe com a ordem natural da vida, assim como interrompe os sonhos, as esperanças, as expectativas e as esperas existenciais que normalmente são depositados na criança que está por vir.
O relacionamento entre os pais e o bebê se inicia antes mesmo da fecundação. Essa relação aparece já nas brincadeiras da infância, quando a menina e o menino brincam de ser mãe e pai com as bonecas, dando “comidinha”, trocando fraldas, dando banho. Quando já na adolescência, meninas quando veem mulheres passeando com bebês, podem imaginar-se também nessa mesma situação, ou até mesmo em um desentendimento com os pais, prometendo a si mesmos que criarão seus filhos de forma diferente (Sanches & Freitas, 2017).
Os ultrassons realizados durante o pré-natal antecipam muitas informações acerca do bebê, favorecendo o vínculo, já que é possível ver as feições, ouvir o coração, ver o que o bebê está fazendo dentro da barriga, saber o gênero, etc. Durante a gestação, essa mãe foi construindo delicadamente uma nova identidade, a de mulher grávida, que a partir da perda sofre uma brusca interrupção. Alguns sentimentos de incapacidade e impotência podem causar grande impacto em sua feminilidade. Para os autores, além da identidade da mulher grávida, os sonhos da maternidade e os desejos atribuídos a essa criança também são rompidos diante da perda (Sanches & Freitas, 2017).
Portanto, quando a morte chega na maternidade, certamente será um evento traumático para todos os envolvidos, e principalmente, para os pais. Essa perda será ainda mais sentida pela mãe, pois é vivenciada em seu corpo, assim como a realização de procedimentos médicos (Sanches & Freitas, 2017).
Sob a perspectiva parental, não existe uma idade menos traumática para a morte de um filho, e estudos da área apontam que sentimentos como frustração, decepção, revolta, tristeza, culpa e choro são comuns aos pais e familiares (Santos, Rosenburg, & Buralli, 2004).
A perda deixa em seu lugar um enorme vazio, que, muitas vezes, pode não ser percebido por aqueles que, por não compartilharem a história daquela gestação, encontram dificuldades em enxergar como bebê alguém que nem chegou a viver fora do útero da mãe. Atrelado a isso, existe ainda o entendimento de que por não possuir o filho vivo, a mulher não é uma mãe legítima, mesmo tendo vivido e experienciado a maternidade e a gestação (Sanches & Freitas, 2017).
As reações das pessoas à notícia da perda de um bebê são sentidas e interpretadas pelos pais como, no mínimo, desconcertantes:
“Foi melhor assim, no comecinho, assim nem sofre muito!”
“Não chora, logo você engravida de novo!”
“Você ainda vai ser mãe um dia!”
“A vida continua”
“Reaja, seus outros filhos também precisam de você”
Sendo assim, os pais não dispõem de muitos interlocutores com quem dividir sua dor por aquele que já se foi; sob a ótica da maioria, sequer chegou. E tudo isso vale também para os pais de recém-nascidos cujas vidas não ultrapassam o período neonatal. Para os pais e seus familiares, trata-se de um bebê concebido, aguardado, que nasceu e que existiu, mesmo que por um curto período de tempo. Para os demais, esse tempo foi pequeno, ficando difícil enxergar o bebê como sujeito de uma história e atribuir uma dimensão maior à sua perda. Muitos consideram – com a melhor das intenções – que o fato de a morte do bebê ter ocorrido cedo foi ‘melhor’, porque, de certa maneira, não houve tempo hábil para o estabelecimento de vínculos. Contudo, é um equívoco pensar assim, uma vez que a construção de laços não depende de um tempo semelhante ao do nosso dia-a-dia para acontecer. Logo, como esses pais não conviveram com esse bebê, muitos imaginam que o sofrimento deles é sem lógica ou pequeno, e espera-se que estejam bem rapidamente (Braga & Morsch, 2003).
Logo após a perda do bebê, a sensação que se tem é a de que o sofrimento nunca mais terá fim, por ser tão forte, forte o suficiente para invadir e tomar conta de todos os cantos da vida, que parece, então, tão destituída de sentido, tão vazia.
Os pais ficam numa situação de vulnerabilidade para crise e adoecimento emocional. É comum esses pais sentirem-se culpados pelo ocorrido, imaginando que fizeram algo de errado que acarretou na morte do bebê. Portanto, apoio e assistência adequados são fatores de proteção à depressão.
A morte de um filho, em qualquer etapa da vida - inclusive ainda na barriga ou logo após o nascimento – coloca os pais numa situação muito dolorosa, inesperada e que vai exigir muito deles para se recuperar dessa experiência.
Só há uma recomendação válida para todas as pessoas atingidas por uma perda significativa: nada pior do que sufocar a dor, porque esta provavelmente se manifestará de outra forma, tendendo a tornar-se crônica e a crescer, caso reprimida.
Procure apoio profissional se você sente muita dificuldade em compartilhar seu sofrimento com as pessoas, não consegue se relacionar com os filhos que ficaram, não consegue se relacionar com o parceiro, não sente vontade de comparecer a eventos sociais, sente muito medo de engravidar novamente ou, no caso de já estar grávida, vive “assombrada” com a ideia de perder esse bebê também.
Uma mãe pode ter 10 filhos vivos, mas sempre se lembrará saudosamente daquele que morreu – mesmo que essa morte tenha sido ainda no útero. Cada filho é único. Nenhum substitui o outro.
Pense nisso na próxima vez que se deparar com pais de anjinhos.