É normal sentir tristeza durante a gestação?
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É normal sentir tristeza durante a gestação?

A tristeza na gestação é algo mais comum do que imaginamos, porém, antes de falar sobre a tristeza em si, é importante ressaltar que esse período da vida da mulher é um período potencial de crise e de grandes transformações no qual haverá ganhos e perdas em todos âmbitos da vida.


A gravidez então é considerada um período de mudanças biopsicossociais no qual a mulher terá ganhos e perdas que poderão influenciar no contexto de sua saúde emocional.

Podemos pensar que na esfera biológica, o corpo da mulher se modifica e nem toda gestante sente-se bem no corpo grávido, além do que, há diversos desconfortos promovidos por essas alterações biológicas e hormonais (enjoos, peso da barriga etc.) que poderão também causar um impacto emocional na vida dessa mulher e ser encarada como uma perda do corpo e saúde ideal.



Na esfera psicológica, podemos pensar nas mudanças ocorridas na vida em detrimento da gestação. Dependendo de como acontece esse período, podem ocorrer limitações na liberdade e mobilidade, sem contar as preocupações que inundam a vida da mulher em relação à sua própria saúde e a do bebê. Além disso, há uma transição de identidade para ser mãe, que também pode gerar muitos sentimentos conflitantes e ambivalentes enquanto essa nova identidade não é integrada à mulher como mais um papel.


E na esfera social, há uma mudança de status no qual existem ganhos, por exemplo em filas e lugares preferenciais, presentes, preocupações etc. e perdas quando a mulher grávida é discriminada (por exemplo, no trabalho) ou é vítima de perversidade social, quando muitas vezes é impedida de demonstrar seus desconfortos pertinentes à gravidez por um julgamento social em relação à sua própria escolha de ter um filho.


Como já mencionado, a gravidez é um momento potencial de crise nas mulheres pois, sendo uma situação nova e única, pode despertar sensações e sentimentos inesperados, podendo gerar uma crise emocional. Na vida, a mulher passa por 3 grandes períodos que são potencialmente geradores de crise. São eles:


1- Puberdade: período de mudanças no corpo que transita entre um corpo infantil e um corpo de mulher. Nessa fase, a depressão é muito frequente.


2- Climatério ou Menopausa: período de envelhecimento do corpo, quando a menstruação cessa e junto com ela chega geralmente a aposentadoria, os filhos saem de casa e vai chegando a ideia de finitude da vida. A depressão também é muito frequente nesta fase.


3- Período Perinatal: é o período que a mulher vive entre a puberdade e o climatério e que ela tem mais possibilidade de adoecer emocionalmente. Podemos pensar que a possibilidade de adoecimento muito se relaciona com a ambivalência vivenciada pela mulher no período perinatal e gravidez, pois essa ambivalência se refere a sentimentos opostos vivenciados num mesmo momento em que, mesmo quando uma gravidez é muito desejada, a mulher sente-se insegura e com medo da nova situação. Ou mesmo quando há uma gravidez não planejada e a mulher começa a desenvolver mais cuidados consigo mesmo em detrimento do novo ser que ela está gerando.


Outro fato que influencia muito no potencial de crise nas mulheres na fase perinatal é o imaginário coletivo que existe de que a mulher grávida deve estar sempre plena e feliz. Podemos observar o quanto isso é vendido na sociedade e na mídia e por isso, temos altas taxas de mulheres que sofrem em silêncio, pois não são acolhidas em seus sentimentos, sofrimentos e angústias o que leva a muitas dessas mulheres a não buscarem ajuda. É preciso normatizar a ideia de que não há nada de errado com a mulher que não se sente plena e feliz em sua gravidez, levando-se em conta principalmente o fato de que mais de 50% das gestações em nosso país não são planejadas e que, diante da novidade, muitas mulheres se assustam e não tem com quem conversar a respeito, possibilitando maiores chances de desenvolverem um adoecimento emocional acompanhado de forte ansiedade, stress ou mesmo a depressão.


Estatisticamente, cerca de 35% das mulheres apresentam alta ansiedade na gestação, 60% apresentam stress e 25% apresentam depressão no mesmo período. Estudos revelam que a gravidez é um período de maior risco em relação ao pós-parto, período este que esses números diminuem consideravelmente.


Sobre as alterações emocionais mais ocorridas na gestação, podemos falar aqui sobre a ansiedade, o stress e a depressão.


A ansiedade é um estado emocional transitório ou uma condição do organismo que se caracteriza por sentimentos desagradáveis, tensão, apreensão e aumento na atividade do sistema nervoso autônomo que controla ações do corpo como circulação, respiração, temperatura, digestão etc. Na gravidez a ansiedade é normal e esperada, no entanto a alta ansiedade pode trazer prejuízos à mãe e ao bebê. O grupo de maior risco a desenvolver alta ansiedade são as mulheres multigestas (mulheres que já engravidaram mais de uma vez) e os principais fatores de risco são: pouca idade materna, ter muitos filhos, baixa escolaridade, baixa renda, ameaça de aborto, abortamento anterior, violência doméstica na gestação etc. Dentre os desfechos negativos da alta ansiedade estão: nascimento prematuro ou baixo peso do bebê, menor tempo de aleitamento materno exclusivo, dificuldades na relação mãe e bebê, atrasos no desenvolvimento infantil, maior probabilidade de alterações emocionais significativas no pós parto e cesariana evitável.


A respeito do stress, pode-se entender como um conjunto de respostas que o organismo emite para reagir frente a algo que o despertou de seu estado de homeostase. É uma resposta fisiológica, psicológica e comportamental de um indivíduo que procura se adaptar e se ajustar às situações internas e /ou externas ao organismo. É uma reação física, diferente da ansiedade que é uma reação emocional, apesar dos dois caminharem sempre juntos. Quando o organismo é exposto frequentemente a situações estressoras, o corpo passa a trabalhar com maior gasto de energia, assim há a liberação de mais cortisol, que é um hormônio produzido pelas glândulas supra renais, responsável por manter os níveis de pressão sanguínea e açúcar no sangue em estado de equilíbrio. Esse hormônio é extremamente necessário para que possamos viver, pois para desempenharmos qualquer atividade, precisamos dele. Assim, o stress é entendido como algo natural e esperado em nosso dia a dia, apesar de ser percebido como algo negativo culturalmente. Portanto, na gestação, o stress também é normal e esperado, porem altos níveis, podem prejudicar a mãe e o bebê, podendo favorecer o desenvolvimento de depressão pós-parto. Dentre os fatores de risco de alto stress na gestação estão: gravidez não planejada, pouca idade materna, ter muitos filhos, baixa escolaridade, situação econômica difícil, ameaça de abortamento, aborto anterior, violência doméstica, falta de rede de apoio, uso de drogas, depressão, pânico, complicações pré-natais etc. E os desfechos negativos para essa situação são: prematuridade e baixo peso do bebê, predisposição à transtornos mentais, atraso no desenvolvimento infantil em virtude da vulnerabilidade da mãe que não consegue dar o suporte necessário ao seu bebê, problemas temperamentais e comportamentais, complicações obstétricas, cesariana evitável, alterações emocionais significativas no pós-parto, dificuldade na relação mãe e bebê etc.


E por fim, sobre a Depressão no período gestacional, existe uma escassez de estudos acerca do tema, pois muito se acredita no conceito de mulher grávida e plena, no entanto, como já mencionado, a incidência de depressão na gravidez é maior do que no pós-parto tendo uma prevalência de 25% para 20% nos mesmos períodos. Geralmente, os sintomas de depressão começam na gravidez e se intensificam no pós-parto. Os fatores de risco são: a mulher já ter vivido uma situação de depressão ou ter parentes que a vivenciaram, violência doméstica, gravidez não planejada, situações adversas e inesperadas, pobreza, baixa escolaridade, ameaça de abortamento, aborto anterior, violência obstétrica, sexo do bebê diferente do esperado, gravidez que acontece diferente daquela que foi idealizada etc. Seus prejuízos podem ser a prematuridade e o baixo peso, transtornos mentais ou atraso no desenvolvimento do bebê etc.


Adentrando agora na gestação em si, é importante lembrar que mais de 50% das mulheres não planejam suas gestações e que muitas vezes, existe o desejo de engravidar, mas não é feito um planejamento familiar. Este é bastante importante, apesar de pouco eficaz no Brasil, pois auxilia na prevenção de adoecimento emocional no período pré-natal. Percebe-se muitas pessoas que querem engravidar, mas não querem ser exercer suas funções parentais (ser pai e ser mãe) e isso pode ser potencializado na gestação, levando a alterações emocionais significativas.


Com relação as fases da gestação, de acordo com a medicina, ela é dividida em 3 fases: 1º trimestre, 2º trimestre e 3º trimestre.

O 1º trimestre geralmente é a fase de descoberta da gestação, na qual a mulher percebe a ausência de menstruação, enjoos, alterações no corpo etc. Quando planejada, a gravidez pode ser descoberta antes mesmo da manifestação dos sintomas, no entanto, quando não planejada, a mulher pode sentir sentimentos de ambivalência e ansiedade pela situação inesperada. A ansiedade também pode se manifestar por não sentir os movimentos do bebê, pelo medo de não amá-lo ou não desenvolver vínculo afetivo ou mesmo pelo fato da mulher ainda não se sentir grávida ou a “ficha não ter caído”. É nesta fase que há maiores incidências de aborto espontâneo ou provocado, fatores estes que também são potenciais geradores de alterações emocionais na mulher.


O 2º trimestre é considerado o período mais tranquilo da gestação, pois supõe-se que a “ficha já caiu”, a barriga começa a aparecer, a mulher sente os movimentos fetais, o bebê ganha forma e geralmente há a cessação dos desconfortos iniciais. No entanto, ainda pode ocorrer uma dificuldade de aceitação da gravidez, que pode levar a alterações emocionais. Outros fatores que podem desencadear maior ansiedade neste período é o fato da mulher não se sentir bem no corpo grávido, o diagnóstico de doenças como diabetes, pressão alta, descolamento de placenta etc., a descoberta do sexo do bebê que pode diminuir e ao mesmo tempo aumentar a ansiedade da mulher, visto que caso o sexo do bebê não seja o que foi imaginado, a mulher precisará fazer o luto do bebê idealizado para se vincular ao bebê real.


O 3º trimestre é conhecido como o trimestre mais ansioso da gestação por se aproximar da reta final da gestação. O cortisol se eleva e com isso ocorrem algumas alterações emocionais que causam insônia, ansiedade, medo do que vem depois da gestação, pesadelos, medo da morte (da mãe e do bebê), medo da dor do parto, dificuldade de locomoção devido ao peso da barriga etc. É também um período de grandes concentrações de alterações emocionais.


Diante de todas essas informações sobre o período da gestação e, levando em consideração todas as perdas advindas das transformações passadas pela mulher nesse período, retomo o questionamento que intitula essa nossa discussão: É normal sentir tristeza durante a gestação?


Ouso responder que sim! Mais do que a gente imagina!


Podemos pensar na tristeza como uma forma de luto por tudo que se perde nesse período da vida, já que o luto em si é uma reação natural e esperada diante de toda perda significativa. A tristeza então, pode ser encarada como uma forma de se adaptar à nova realidade, de acolher as transformações que sofremos, ainda que mudar tenha sido uma escolha própria e consciente.


É importante que possamos desconstruir a ideia de que toda gestação é sinônimo de felicidade e acolher mais a ideia de que, por mais que ela possa ser um grande desejo da vida da mulher, ela é um período de grandes conflitos e crises e então, será natural que a mulher eventualmente sinta-se triste pela vida que ela não tem e não terá mais, pois a gravidez e maternidade transformam a vida de tal forma que nunca mais conseguimos voltar a ser quem éramos antes delas acontecerem. É um estado de transformação permanente no qual uma mãe começa a se formar, mas também, uma mulher sem filhos começa a se descontruir.


Assim é importante acolher e legitimar esses sentimentos para que possamos prevenir a piora deles e a sua perpetuação no pós parto. Aceitar que nem tudo serão flores e que não há como fazer uma escolha sem transitarmos entre as perdas e ganhos. Acolher essas ambivalências e nuances desse período tão importante da vida da mulher será um grande diferencial para a saúde mental dessa mãe que está em formação.


Entristecer, faz parte desse caminho, mas, com acolhimento e generosidade, este sentimento pode ser integrado à diversos ganhos que também podem ser vivenciados de forma única nessa tão especial fase da vida.



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